"Não perdi a eleição para
um partido político, mas para uma organização criminosa que se instalou no seio
de algumas empresas brasileiras, patrocinada por esse grupo político que aí
está."
A declaração de Aécio Neves ao jornalista
Roberto D’Ávila repercutiu amplamente, como seria de esperar, feita que foi
para isto mesmo.
O senador pode ter tido motivos
para dizer o que disse. Acha que se manifestou de acordo, ao lembrar que a
expressão “organização criminosa” foi a mesma usada pela Polícia Federal para
classificar a “quadrilha que atuou durante 12 anos na Petrobras”. Mas a frase
forte, solta no ar, jogou mais lenha numa fogueira que queima há tempo sem
produzir efeito positivo. Lançou um factoide, num momento em que o País clama
por gestos emblemáticos.
É verdade que o aparelhamento
da Petrobrás atingiu, nos últimos anos, a dimensão de um verdadeiro assalto,
combinado por partidos políticos e empreendedores vários. Mas também é verdade,
como disse o delator premiado Paulo Roberto Costa, que operações deste tipo têm
sido rotineiras no País, não se limitando nem à Petrobrás, nem a um ou outro
ciclo governamental. “Não se iludam. O que acontece na Petrobras acontece no
Brasil inteiro. Em ferrovias, portos, aeroportos. Tudo.” O apoio político a
diretores encarregados de fazer as intermediações corruptoras não teria faltado
ao longo das últimas décadas. Foi assim que se viabilizou a sistemática
formação de cartéis especializados em tirar dinheiro extra de atividades
econômicas que dependem de recursos estatais.
Haveria, pois, que se
qualificar a acusação, pô-la além da criminalização localizada. Virar a página
não seria “inocentar” o PT ou aliviá-lo de responsabilidade, mas abrir o leque,
expor as raízes profundas da corrupção e educar a cidadania.
Do outro lado da cerca, o PT
tem motivos para reagir com irritação à declaração de Aécio. Afinal, ela mantem
o partido numa posição incômoda, estigmatizando-o como se fosse o único a ter
as mãos sujas. Judicializar a questão, porém, mediante a interpelação de Aécio
na Justiça, não é caminho virtuoso. Responde a um factoide com outro factoide.
Não tira o partido da vitrine, nem dá ao fato inconteste da “corrupção”
qualquer tratamento consistente. O partido continua enfeitiçado pelo espelho
mágico, crente de que não há na Terra ninguém menos corrupto do que ele. E faz
questão de dizer que “não leva recado para casa".
A frase de Aécio veio em má
hora, mas não configura um “golpe” ou a manutenção em aberto de um interminável
“terceiro turno”, como disseram próceres petistas. Foi inadequada porque deu
combustível para os que desejam acirrar ânimos, propõem intervenções militares
e pedem impeachments. Não extravasou
um “sentimento de indignação” que possa impulsionar uma oposição democrática
consciente de seu papel.
A reação petista manteve o tom
e engrossou o caldo. Faz tempo que o PT chama de golpista toda crítica ou
acusação que lhe é endereçada. Fala que é tudo coisa feita para prejudicá-lo.
Não se dá conta de que, ao agir assim, passa recibo aos acusadores e insufla
seus próprios defensores. Enforca-se com a própria corda.
O País permanece em clima
eleitoral. Os protagonistas das urnas de 2014 não retocaram a maquiagem. Continuam
lambendo as próprias crias e as próprias feridas, a mastigar a mesma ração
insossa que ofereceram aos eleitores. Nenhuma manobra diferente, nenhuma
análise prospectiva, nenhum realinhamento de forças, nenhuma atitude de
grandeza. O diálogo anunciado pela presidente ficou no terreno protocolar, as
oposições sequer estão pagando para influenciar o que virá pela frente. Todos
parecem encantados, à espera dos frutos que virão do escândalo da Petrobrás.
A manutenção sem novidades da
polarização PT x PSDB não traz ganhos ou vantagens para ninguém, nem para os
próprios contendores, muito menos para a população, o Estado democrático ou a
agenda pública. O parafuso espanou e quanto mais petistas e tucanos insistirem
em forçar a chave de fenda maior será o estrago.
O melhor para todos seria que o
novo governo começasse com o pé direito. Quem sabe assim a política aprumasse e
as coisas ficassem mais claras. Não é esta oposição – verborrágica, exagerada,
midiática – que se espera do PSDB. Não será deste modo que o PT crescerá como
força política capacitada para disputar espaço em um governo que somente em
parte pode ser apresentado como seu e que viverá na turbulência.
O cenário lembra o abraço de
dois afogados que, ao submergirem, levam consigo as energias e as expectativas
de uma multidão de espectadores. No horizonte, não há boias nem salva-vidas.
Sem metáforas: faltam
lideranças políticas, bons articuladores, estadistas, e na falta deles o País
gira em círculos, cambaleante, aprisionado por suas limitações. Estamos
carecendo de “ideais morais” que fixem uma imagem de cidadania que possa servir
de parâmetro para a sociedade. O nível da “moralidade pública”, entendida em
sentido rigoroso, não moralista, está baixo demais e os desafios do País são
enormes. O ceticismo social e as paixões reprimidas que nascem desta
discrepância não ajudam a ninguém. [Publicado em O Estado de S. Paulo, Caderno Aliás, 07/12/2014, p. E9]